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Uma missão quase impossível

Era novembro de 1999 quando tive meu primeiro contato com um abrigo para refugiados. Do outro lado do mundo, num pequeno país, no extremo leste de uma bela ilha chamada Timor. Algumas semanas antes sua população havia votado pela independência. Em retaliação, forças paramilitares pró Indonésia empreenderam uma campanha de terror, assassinando milhares de pessoas, estuprando centenas de mulheres e meninas, destruindo escolas, prédios públicos, comércio, casas, criando o deslocamento forçado de mais de 300 mil pessoas. Em menos de 3 semanas a linda capital Dili foi reduzida a cinzas.


Eu estava participando de um congresso internacional de missões em Foz do Iguaçu quando recebemos um pedido urgente de oração por uma equipe de missionários brasileiros que estava desaparecida no Timor. Após a reunião houve uma discussão do que mais poderia ser feito. Havia o desejo de fazer algo, mas o quê? Como entrar num país em guerra? Vários missionários experientes do norte global e da AL afirmaram que por questões políticas não conseguiriam visto. Por outro lado alguns lembraram que por nossa herança portuguesa comum e a grande simpatia que o povo timorense tinha por nós, brasileiros, seria estratégico caso alguém se dispusesse a ir e tentar localizá-los. Orei, conversei com minha esposa e conselheiros e me voluntariei. Com apoio de amigos levantamos os recursos para as passagens e algum alimento (mais pra frente decidimos por leite em pó) para as milhares de crianças desabrigadas. Compramos também algumas centenas de bíblias e, em menos de uma semana, Margaretha, Hsiung e eu estávamos embarcando pra uma das mais

impactantes viagens que já fiz.


Confesso que não tínhamos a mínima noção do que encontraríamos. Voamos para Jakarta e de lá pra Bali, de onde tentaríamos um voo para Timor. Mas não havia voos. O único voo semanal deveria partir para Timor Ocidental 3 horas antes de conseguirmos chegar. O que fazer? Voltar? Abandonar a missão e se dar por vencidos? Não! Num enorme passo de fé entendemos que Aquele que nos levara até ali seria capaz de fazer o impossível. Decidimos embarcar, mesmo contra todas as possibilidades. Qual não foi nossa alegria ao nos aproximarmos daquela pequena pista de pouso e ver lá embaixo um único avião… Deve ser o nosso! Precisa ser o nosso… e, com 3 horas de atraso, lá estava ele!!!! Não soubemos a razão do tão grande atraso, mas nossa aeronave parou bem atrás da outra e, sem nem mesmo passarmos pelo saguão do aeroporto, embarcamos ali na pista mesmo! Lembro-me de como éramos observados por olhares incrédulos ao carregarmos, nós mesmos, as muitas caixas e mochilas com leite em pó e bíblias, de um avião para outro.


Desembarcamos em Timor Ocidental. Estávamos perto mas as coisas só ficavam cada vez mais difíceis. Por causa da guerra a fronteira, estradas, voos e comunicações estavam bloqueadas. Por que estão indo pra Dili? Quem pôde já saiu. Quem está lá agora não

pode sair. Vocês têm certeza de que querem ir pra lá? Experimentando poderosamente a mão do Senhor conosco, pelo fato de sermos “religiosos” e estarmos levando uma quantidade considerável de leite em pó nos concederam um passe especial da FAO (Agencia da ONU para Alimentação) e voamos a última parte da viagem num avião do exército da Austrália. Era um voo militar de observação em busca de possíveis focos de rebeldes… por isso voamos boa parte do tempo à baixa altitude e com as portas

abertas… A chegada em Dili foi estranha. O único movimento que vimos, ainda na pista do aeroporto, foi um grande grupo de refugiados embarcando num voo da ONU para Austrália. Lembro me de suas faces angustiadas carregando pequenas e desajeitadas

sacolas.



Ao sairmos do aeroporto não havia taxi, carros, nem movimento algum na rua. Ninguém para nos receber, ou dar alguma informação… Parecia uma cidade deserta. O que fazer? Para onde ir…? O que fazer com nossa preciosa bagagem? Novamente a provisão de D’us nos encontrou… Uma freira europeia (não lembro de onde era) nos observou de longe e se aproximou. Quando ouviu de onde éramos e porque estávamos ali nos ofereceu carona. Mas havia ainda uma questão, dissemos. Temos muita bagagem… ao que ela apontou para sua enorme camionete estacionada bem ali… O que vocês tem nessas caixas? Leite em pó, dissemos… Glória a Deus! disse ela, que era a encarregada por um abrigo com muitas crianças e, naquela manhã (!) havia clamado ao Senhor que enviasse alimento, pois tudo se havia acabado! Ele sempre pensa nos detalhes…


Deixei que a Margaretha fosse na cabine com a nossa nova amiga freira e eu fui na caçamba da camionete. (A esta altura só estávamos eu e ela. Por questões diplomáticas, Hsiung não pode embarcar). Por todo trajeto, só vi destruição… tudo havia sido queimado. Muitas

manchas de sangue no chão… Que tragédia este povo estava vivendo…Nossa primeira parada foi num ginásio de esporte onde centenas de famílias se amontoavam em pequenos espaços, dormindo em esteiras de palha, com panelas, sacolas de roupas e animais domésticos delimitando sua área. Ver uma criança com a camisa da seleção brasileira ali, naquele distante e caótico pedaço de mundo, me tocou. Me identifiquei e recebi em troca um enorme e largo sorriso. Quantas e quantas vezes não fui bem recebido unicamente por ser brasileiro…


Um odor forte tomava conta. Não havia sanitários suficientes. Muitos olhares parados, sem reação, ainda em choque por ter visto sua casa queimada e seus queridos assassinados a golpes de machado, foices e facões. O choro dos bebês e das crianças pequenas, famintas, se destacavam sobre o murmurinho geral.


Conseguimos alugar um pequeno carrinho vermelho (detalhe, direção na mão contrária… que experiência incômoda!). Depois de alguns dias vagando de um lado a outro, conversando com locais e soldados das forças de paz enviadas pela ONU, fomos informados de que havia um grupo de brasileiros no acampamento das forças

portuguesas. Só pode ser eles! Pensamos. Glória a Deus! Um enorme sentimento de gratidão ao Senhor por ter preservado suas vidas e nos permitido encontrá-los sãos e salvos.

A história é longa e quem sabe um dia escreva mais sobre ela. Estou trazendo este relato hoje porque no último sábado, junto com a querida Margaretha Adwardana e muitos irmãos, participei da celebração do aniversário de 20 anos da missão AME – Associação Missão Esperança, a qual tive o privilégio de ser um dos fundadores. A AME deve seu nascimento e visão a esta viagem que fizemos ao Timor Leste. UmPor onde passamos, seja em Timor Leste, várias cidades e ilhas da Indonésia, Malásia, Cingapura, Filipinas, todos,

sem exceção, nos fizeram apelos: “precisamos de ajuda! A igreja brasileira precisa vir pra cá! Mande-nos obreiros servos, gente com o coração nos céus e os pés na terra. Gente que não hesita em entregar sua vida para que o Cordeiro seja conhecido e adorado entre todas as nações”. E assim foi feito! O Senhor nos abençoou com um time especial de missionários…


Hoje, ao olhar pra trás, um enorme sentimento de gratidão e pequenez toma conta do meu coração. Que privilégio ser parte do maravilhoso propósito de D’us de revelar, em Cristo, seu amor a toda língua, povo e nação. Que o Cordeiro receba toda a glória, honra e louvor, sempre e sempre! Grato a você que intercede, encoraja e reparte seus recursos para que nossa família possa exercer esta nossa sublime vocação. Você é parte disso e, com certeza, na eternidade, receberá abraços de desconhecidos lhe agradecendo… Obrigado! Muito obrigado por nos encontrar e apresentar a Cristo!

Alegre-se conosco!

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